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A feira e a resistência do ser

  • Tópicos Esp.em Jornalismo
  • 23 de out. de 2018
  • 3 min de leitura

Atualizado: 8 de nov. de 2018

Por Ana Lourdes Bal e Filipe Cabral

Existem espaços que ficam na memória como um cheiro de perfume que viaja junto com a infância e, para muitos, as feiras podem ser esse espaço de afeto. A feira de Goianinha acontece há mais de 120 anos, a principio sendo realizada aos domingos, mas a partir de 2013, passou a ser realizada aos sábados.


A feira, em sua totalidade, projeta ser esse palco de tantas representações, gerações e sentimentos aflorados.


Dona Ivoneide Barbosa Soares tem 44 anos é apenas uma desses tantos outros personagens.


A filha de pais também feirantes cresceu com a feira da cidade de Goianinha – cidade localizada a aproximadamente 60km da capital Natal/RN, e mesmo sem saber a conta exata, arrisca uma história de 30 anos em que exerce a profissão.


Ser feirante é de família, mas nem por isso o trabalho fica mais leve. Dona Ivoneide cumpre, toda semana, várias horas de viagem de carro de sua cidade natal – Nova Cruz, para todas as outras que atua como feirante. Ela sai de casa às 7 horas da noite para deixar tudo organizado e se preparar para o dia longo e bastante quente que a cidade proporciona. “Faço 4 feiras. Amanhã vou para Monte Alegre. Às três horas da manhã”, afirma e acrescenta que as outras duas feiras que participa são a de Lagoa de Pedras e Arês. Com isso, confessa que as mais movimentadas são as de Goianinha e de Lagoa de Pedras.


Nessas idas e vindas das viagens necessárias para chegar ao seu local de trabalho, a senhora conta que a estrada não é das mais tranquilas e relembra que, inclusive, já sofreu um grave acidente. “Perto de Piquiri, próximo a ponte. O carro virou, quando foi ultrapassar outro. Morreu um com um fardo de carne, que caiu em cima da sua cabeça, isso há 27 anos atrás” conta a dona da banca de verduras. A estrada é caracterizada por ela mesma como bastante perigosa. O rapaz falecido era um dos seus ajudantes na feira, na época que ela precisava de transportes emprestados para conseguir trabalhar. Atualmente, depois de todos esses anos, Dona Ivoneide conseguiu a aquisição do seu próprio carro para se locomover.


Questionada sobre a infância, ela lembra saudosamente da época que, com apenas 12 anos, já comercializava cereais. “Vendia na calçadinha, ali do lado da Igreja. Era ótimo. Naquele tempo era outra coisa… Nós ainda ganhávamos uns trocados, hoje em dia, só a misericórdia de Deus”, desabafa.


“A gente ficava bem tranquilo antes”, ela relembra sobre a segurança. “Antigamente não tinha isso de perseguição, de roubar. Já me roubaram um relógio, uma balança dessa, enquanto estávamos dormindo” acrescenta a senhora com expressão rígida.


Além disso, ela também fala que a feira era melhor quando era no domingo. A mudança para o sábado proporcionou uma queda de, segundo ela mesma, 50% das vendas. “Quando mudou essa feira pro sábado, acabou-se tudo. Como te falei, antes era muito bom, tenho até meu carro. Antes não tinha essa 'ruma' de supermercado. Eu não voltava com nada pra casa, hoje em dia levo mais do que trago. Isso aqui é igual a defunto”, revela.


Ela conta que já chegou a voltar com 300kg de mercadoria. No sábado também acontece a feira de São José de Mipibu, que é bastante próximo e, por consequência, divide o público e até os feirantes. Enquanto ela está na feira de Goianinha, seu marido está na de São José.


Que a feira veio da família, ela já havia contado, mas que era a responsável por levar isso adiante para as próximas gerações a feirante não tinha deixado bem claro. Ela tem três filhos e afirma que “Todos vem, menos a mais velha, que não vem nem amarrada”.

Buscando na sua caixa das lembranças, ela conta de quando sentava para conversar com outros feirantes nessa mesma calçada, no entanto, devido a troca de dias da feira e demais dificuldades financeiras, muitos já não têm a sua banca ali há vários anos.


Quando questionada sobre até quando ela vai trabalhar na feira, ela responde “Só quando Jesus me tirar. Se a gente tivesse outro meio de vida, né? Mas é o que a gente tem desde pequeno, nunca procurou outra coisa, então é isso aqui mesmo. Quando correr, o sapato aperta” reafirma a entrevistada.


Que as cores que ofuscam o brilho do suor, o barulho que silencia centenas de histórias de sofrimento e o doce odor que suprime os relevos da alma de cada feirante, como no relato de dona Ivoneide, possa compor a arte mais bela já evidenciada: a de se ter consigo mesmo a esperança de dias melhores.



Confira a galeria completa da Feira de Goianinha:



 
 
 

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